Através da história de João Victor, garoto recentemente diagnosticado com superdotação, podemos conhecer melhor a realidade das pessoas com altas habilidades
Eduardo Nascimento, Jéssika Gonzalez e Leonardo Fernandes
Quando João Victor tinha quatro anos de idade, começou a ter problemas na escola. Era um aluno agitado e ansioso, e constantemente era enviado à direção do colégio. Os pais chegaram a cogitar a possibilidade de João ser hiperativo – a resposta, entretanto, viria mais tarde: aos seis anos, João é diagnosticado superdotado. Mas o que é a superdotação? A redação da Rede SACI conversou com psicólogos, instituições e conheceu a história de João Victor, com a qual inaugura sua série de matérias mensais. Boa Leitura!
A superdotação não é uma deficiência, mas é uma excepcionalidade que pode causar certas dificuldades para quem a possui. De acordo com a professora de psicologia da USP, Iraí Cristina Boccato, é uma capacidade de “perceber coisas melhor, resolver problemas e ser mais rápido em decisões”. Harold Gardner, psicólogo e pesquisador da Universidade de Harvard, aponta a existência de múltiplas inteligências, como inteligência lingüística, matemática, etc. De acordo com Iraí, o superdotado tem potencial para todas as inteligências, mas não necessariamente vai desenvolvê-las em sua totalidade.
Estima-se que de 1% a 5% da população mundial seja superdotada, o que, no Brasil, equivaleria a quase dois milhões de pessoas. Num estudo realizado em 2009, a Secretaria da Educação de São Paulo identificou 1.022 alunos superdotados dentre os cerca de 5 milhões da rede estadual. No entanto, nas estimativas mais pessimistas pelo menos 50 mil seriam superdotados, o que demonstra que muitos cérebros não são identificados ou não encontram ambiente para demonstrar suas habilidades.
Nem sempre a superdotação será traduzida em sucesso pessoal, social ou profissional e, no caso das crianças, alunos superdotados podem não ter um ótimo rendimento escolar. A superdotação depende da hereditariedade, mas também de um ambiente favorável para o desenvolvimento desse potencial. “Ainda não se descobriu uma receita para criar gênios”, brinca Iraí.
A professora considera positiva a ideia de uma escola especial para superdotados, pois “o problema é que numa classe regular ele pode não ter desafios”. No entanto, não há instituições do tipo no Brasil.
João Victor: a surpresa na família
João estudava em uma escola particular em Itaquaquecetuba, município vizinho à Poá, onde reside atualmente com a família. Com a inabilidade do colégio em tratar sua superdotação, o garoto passou a sofrer uma série de represálias e começou a ficar deprimido e desmotivado. Então, os pais decidiram mudá-lo para uma escola da rede pública de Poá.“[Ele] está tendo uma certa correspondência, a professora está mais empenhada em nos ajudar nessa descoberta que tivemos. Estamos todos mobilizados”, diz Marcos Doneda, pai de João.
Após ter feito o teste WISC - que diagnostica o Q.I. indiviual e, a partir daí, a superdotação -, a família ficou sem saber como agir. Se, por um lado, sabiam que deveriam estimular o filho a desenvolver suas habilidades, por outro não queriam sobrecarregá-lo. “Se começarmos a dar muitas atividades, vamos exigir muito dele”, diz Michele, a mãe.
João já faz um curso de inglês aos sábados, fruto de uma bolsa de estudos conquistada em um concurso de redação promovido pela antiga escola - no concurso, que iria premiar o 1º e o 2º lugar com bolsas de estudo de 100% e 50%, ele ganhou a integral (o 2º lugar ficou com uma aluna da quarta série). Além disso, o garoto exercita uma das suas grandes paixões, o desenho, em aulas semanais de pintura em tela.
Quando a professora de sua nova escola ficou sabendo da superdotação do garoto, logo contactou a prefeitura do município. A intenção era informar a existência de um aluno superdotado na rede pública afim de pressionar o governo local para adequar o ensino a esse tipo de caso.
A prefeitura estava com a intenção de realizar novos testes para averiguar se João tinha mesmo altas habilidades. “Conversamos com a pediatra, com a neuropsicologa e todos falaram que ele não vai servir de cobaia porque já foram feitos testes. Está tudo documentado”.
A escola chegou a pensar em remanejá-lo de sala, para adequar o menino a um nível de ensino que lhe fosse satisfatório. “Queriam era avançar o João, na aula de Português, para o terceiro ano" diz a mãe. Mas a preocupação em não forçar o desenvolvimento precoce inteligências emocionais e racionais foi maior: “Ele tem o pensamento um pouquinho mais avançado, mas o comportamento dele é de uma criança. Ia chegar uma hora em que ele iria repetir”, acredita Michele.
Em casa, João demonstra sua liderança. É ele quem sempre escolhe as brincadeiras e os jogos, quer seja quando vai brincar com o seu irmão mais novo ou quando nós, da equipe, brincávamos com ele. Às vezes, João mal começa um jogo, logo se desinteressa e parte para o outro. Os pais notam uma grande disposição no garoto para fazer tudo aquilo pelo que se interessa - assim como uma indisciplina no que tange os assuntos que lhe são desinteressantes. Muitas vezes, dizem Michele e Marcos, ele erra as atividades da escola propositalmente para não ter que fazê-las.
As aulas de pintura são sua grande distração. Inicialmente João começou a fazer as telas pintando moldes, com orientação da professora. Há dias em que está mais inspirado e que, mesmo quando os pais chegam para buscá-lo, ele ainda está pintando. Às vezes João pinta quadros em casa também, mas nesse caso utiliza concepções próprias. Seu primeiro quadro foi um Mickey, que deu para o tio. O segundo foi uma bonita enseada, com que presenteou a avó. O terceiro foi um gatinho colorido, com claras inspirações nos quadros de Romero Britto, que entregou para o pediatra. Claramente, para João não basta fazer: ele precisa mostrar para os outros o que faz
Há quem pense nos superdotados: a APAHSD
A Associação Paulista para Altas Habilidades/Superdotação (APAHSD) foi criada em 2005 com o intuito de ajudar no desenvolvimento de pessoas superdotadas e orientar seus familiares. A associação sobrevive apenas de doações e oferece também um curso de capacitação de professores.
Para lá são encaminhadas crianças de 2 a 17 anos, de todo o estado de São Paulo, que realizam diversas dinâmicas, exercícios e conversas para a identificar se há superdotação. Desta forma, após observadas por profissionais, as crianças ficam livres para escolher quais atividades desejam realizar, como dança, música, teatro, reforço escolar, idiomas e etc.
Alexandre Barbosa Valdetaro, responsável pela parte jurídica da APAHSD e professor de música na associação, conta que a dificuldade em lidar com o tema cresce proporcionalmente à idade. A maioria das crianças que recebem até os sete anos de idade a criança é superestimulada pelos pais e familiares, mas dessa idade até doze anos configura-se um período de tormenta para o superdotado. Para ele, o problema é primordialmente pedagógico, falta preparo na sociedade para receber esse indivíduo. Alexandre diz: “Temos que tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais”.
“É um círculo vicioso, porque falta interesse público quanto ao tema e, assim, não há divulgação ou medidas governamentais relacionadas à superdotação. Sem informação, não há diagnóstico e, sem o conhecimento do problema por parte da maioria da população, por que existiriam campanhas públicas?.” Para o professor, na falta de um diagnóstico correto, a criança é taxada como ‘estranha’, ‘desajustada’ e muito comumente tida como hiperativa.
Alexandre também vê padrões em relação às classes sociais que frequentam. Há poucas crianças pobres na associação, de acordo com ele, isso acontece porque o abandono escolar é maior nessa faixa, e a escola é o principal local de percepção da superdotação.
Já para as crianças da classe média é mais comum que, quando começam a se comportar mal na escola, seus pais as encaminhem a um psiquiatra, que medica a criança. Inicia-se, assim, um processo de desmedicação, pois superdotação não é doença. Por último, as classes mais ricas são as que mais têm acesso a informações e, uma vez identificadas as altas habilidades, muitos superdotados são mandados para outros países, que oferecem melhores recursos em educação especial.