Rev. Bras. Psiquiatr. v.26 n.4 São Paulo dez. 2004
O fenômeno da ecolalia no Autismo e na Síndrome de Asperger1 está bem documentado. No entanto, não está bem documentada a atribuição de funcionalidade à estrutura ecolálica, nem o uso clínico deste fenômeno para adequação do discurso dos portadores destes quadros.
Temos observado que algumas das ocorrências ecolálicas de crianças com Síndrome de Asperger têm características funcionais de comunicação. Decorreu disto o desenvolvimento de um protocolo de avaliação e de intervenção que parte das hipóteses que a ecolalia representa a estrutura discursiva inicial destas crianças.
Cada criança é observada por 45 minutos, individualmente, em situação lúdica com a fonoaudióloga. As sessões são, periodicamente, gravadas em videotape, assistidas por dois observadores-cegos e a produção de fala ecolálica, no contexto de sua ocorrência, é classificada segundo 14 categorias como interativa ou não-interativa.2
Um levantamento inicial da observação de nove crianças portadoras de Síndrome de Asperger mostrou que, dentre aquelas categorias consideradas interativas, as de maior ocorrência foram solicitação de objeto, solicitação de ação, solicitação social e protesto; e as de menor ocorrência foram as categorias permissão, agradecimento, informação, identificação e comentário. Estas últimas representam a troca comunicativa de maior complexidade.
Todas as categorias não-interativas foram, freqüentemente, utilizadas pelas crianças. Dentre estas, ressalta-se que as categorias execução, auto-regulação e exclamação, sugerem a regulação de comportamentos através da fala e as categorias reação e sem foco, a tendência ao isolamento, característica da própria patologia. Ainda que as categorias de maior ocorrência sejam as de menor complexidade comunicativa, envolvendo solicitação, rejeição, busca de atenção e engajamento em rotinas sociais simples, vimos valorizando e empregando-as como estratégia de intervenção clínica em busca da inserção social. Os episódios ecolálicos são considerados pelo interlocutor adulto como tendo função comunicativa. A partir desta premissa, o adulto responde àquela estrutura verbal. O emprego deste pressuposto é ampliado para os diferentes contextos de desenvolvimento da criança, com o envolvimento dos familiares e professores, que passam a utilizar esses mesmos procedimentos. Com esta conduta de intervenção temos observado que as crianças começam a utilizar a estrutura ecolálica também para pedir e dar informações e fazer alguns comentários. Além disto, há uma redução dos episódios ecolálicos imediatos e o aumento do uso da repetição de fragmentos de fala, modificados dentro de contextos (ecolalia mitigada). Paralelamente, há o aumento da fala espontânea, não ecolálica, devido ao trabalho de contingência do discurso dessas crianças; ou seja, pela tutela realizada pelo fonoaudiólogo na busca pela manutenção de tópicos do discurso, capacidade fundamental para o estabelecimento da dinâmica do diálogo. Essa contingência permitirá transformar a fala ecolálica em evento contextualizado pelo interlocutor.3
É importante reafirmar a participação da família e da escola como parceiros desta conduta de intervenção clínica. Os Transtornos Globais de Desenvolvimento, graves e crônicos por definição, implicam na busca de estratégias para melhorar a qualidade de comunicação e de linguagem, processos fundamentais para garantia das relações sociais.
Autores:
Ana Carina Tamanaha
Departamento de Fonoaudiologia, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP); Centro Universitário de Araraquara
Jacy Perissinoto e Marcia R M Pedromônico
Departamento de Fonoaudiologia, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)
Referências
1. Organização Mundial de Saúde - OMS. Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde: CID 10. 3ª ed. 10ª revisão. São Paulo: OMS; 1996.
2. Wetherby AM, Prutting CA. Profiles of communicative and cognitive-social abilities in autistic children. J Speech Hear Res.1984;27(3):364-77.
3. Affonso LA, Tamanaha AC, Perissinoto J, Pedromônico MRM. Caracterização da ecolalia no autismo Infantil: um estudo de caso. Anais. IX Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia, Guarapari (ES); 2001.
Temos observado que algumas das ocorrências ecolálicas de crianças com Síndrome de Asperger têm características funcionais de comunicação. Decorreu disto o desenvolvimento de um protocolo de avaliação e de intervenção que parte das hipóteses que a ecolalia representa a estrutura discursiva inicial destas crianças.
Cada criança é observada por 45 minutos, individualmente, em situação lúdica com a fonoaudióloga. As sessões são, periodicamente, gravadas em videotape, assistidas por dois observadores-cegos e a produção de fala ecolálica, no contexto de sua ocorrência, é classificada segundo 14 categorias como interativa ou não-interativa.2
Um levantamento inicial da observação de nove crianças portadoras de Síndrome de Asperger mostrou que, dentre aquelas categorias consideradas interativas, as de maior ocorrência foram solicitação de objeto, solicitação de ação, solicitação social e protesto; e as de menor ocorrência foram as categorias permissão, agradecimento, informação, identificação e comentário. Estas últimas representam a troca comunicativa de maior complexidade.
Todas as categorias não-interativas foram, freqüentemente, utilizadas pelas crianças. Dentre estas, ressalta-se que as categorias execução, auto-regulação e exclamação, sugerem a regulação de comportamentos através da fala e as categorias reação e sem foco, a tendência ao isolamento, característica da própria patologia. Ainda que as categorias de maior ocorrência sejam as de menor complexidade comunicativa, envolvendo solicitação, rejeição, busca de atenção e engajamento em rotinas sociais simples, vimos valorizando e empregando-as como estratégia de intervenção clínica em busca da inserção social. Os episódios ecolálicos são considerados pelo interlocutor adulto como tendo função comunicativa. A partir desta premissa, o adulto responde àquela estrutura verbal. O emprego deste pressuposto é ampliado para os diferentes contextos de desenvolvimento da criança, com o envolvimento dos familiares e professores, que passam a utilizar esses mesmos procedimentos. Com esta conduta de intervenção temos observado que as crianças começam a utilizar a estrutura ecolálica também para pedir e dar informações e fazer alguns comentários. Além disto, há uma redução dos episódios ecolálicos imediatos e o aumento do uso da repetição de fragmentos de fala, modificados dentro de contextos (ecolalia mitigada). Paralelamente, há o aumento da fala espontânea, não ecolálica, devido ao trabalho de contingência do discurso dessas crianças; ou seja, pela tutela realizada pelo fonoaudiólogo na busca pela manutenção de tópicos do discurso, capacidade fundamental para o estabelecimento da dinâmica do diálogo. Essa contingência permitirá transformar a fala ecolálica em evento contextualizado pelo interlocutor.3
É importante reafirmar a participação da família e da escola como parceiros desta conduta de intervenção clínica. Os Transtornos Globais de Desenvolvimento, graves e crônicos por definição, implicam na busca de estratégias para melhorar a qualidade de comunicação e de linguagem, processos fundamentais para garantia das relações sociais.
Autores:
Ana Carina Tamanaha
Departamento de Fonoaudiologia, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP); Centro Universitário de Araraquara
Jacy Perissinoto e Marcia R M Pedromônico
Departamento de Fonoaudiologia, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)
Referências
1. Organização Mundial de Saúde - OMS. Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde: CID 10. 3ª ed. 10ª revisão. São Paulo: OMS; 1996.
2. Wetherby AM, Prutting CA. Profiles of communicative and cognitive-social abilities in autistic children. J Speech Hear Res.1984;27(3):364-77.
3. Affonso LA, Tamanaha AC, Perissinoto J, Pedromônico MRM. Caracterização da ecolalia no autismo Infantil: um estudo de caso. Anais. IX Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia, Guarapari (ES); 2001.